sábado, 23 de julho de 2011

O Caderninho



Eu pensei que eu era aquele caderninho. De capa de tecido com motivos meio havaianos, tinha um miolo com folhas muito gostosas pra se escrever. Eu só usava uma ou duas canetas, sempre muito especiais de ponta porosa, pois tudo o que era colocado ali tinha um quê de muito especial, uma veracidade de sentimento, força e leveza de aprendizado... Era um caderninho de bolso com um elástico que o Guimarães adoraria ganhar de aniversário. Incontáveis volutas foram traçadas em suas páginas, talvez como reflexo do prazer meditativo que sentia quando não queria pensar em nada ou quando desejava descansar um pouco a mente desenhando uma das formas que mais me transmite harmonia, equilíbrio e tranqüilidade: a espiral. O caderninho adorava os esboços de poemas, frases, insights e revelações sobre a existência que iam sendo cuidadosa e descompromissadamente impressas nele. Lembro-me bem como ele veio parar em minhas mãos. Foi amor à primeira vista num amigo-secreto da aula de Yoga, ele veio junto com uma bolsa de pano da mesma estampa. Tínhamos que pleitear o presente, os participantes podiam “roubar” os objetos de desejo uns dos outros, dentro das regras da brincadeira. E não é que no fim da rodada, após momentos de espera e de desejo (esta era a minha última chance de consegui-lo), acho que através da força do pensamento ele final e heroicamente era meu! Voltei em êxtase para casa agarrando o caderninho com a bolsa em meu peito e sorrindo orgulhosamente. Eu sabia que ele era especial, afinal, a cada caderninho aberto, uma nova etapa, páginas em branco esperando tranqüilas para serem exploradas, novas possibilidades de criação, reflexões da vida quotidiana e certamente bastante poesia, verdadeiramente uma nova etapa da minha vida. Viajando de lá pra cá em minha bolsa, o bichinho trabalhou! Presenciou reuniões importantes no Rio de Janeiro, passeou pelo ambiente familiar de Curitiba, foi para belas cachoeiras no interior de Minas Gerais, curtiu o aconchegante frio montanhesco da região de Campos do Jordão, recebeu a energia poderosa da Chapada Diamantina. E não é que ele decidiu ficar no centro geográfico da Bahia, nas mãos de uma pessoa que ainda pouco conheço, numa gostosa manhã enquanto escutávamos sobre os mistérios do Calendário Maia? Foi uma sensação estranha e ao mesmo tempo muito boa, pois sentia (pela primeira vez na história de meus caderninhos) um gostoso desapego por ele estar seguindo seu caminho e também confiança por sentir que estava em mãos certas. Os dias e as semanas se passaram (achava impossível ficar sem ele para fazer meus apontamentos, anotar meus pensamentos e ter uma base para desenhar). Qual foi minha surpresa em descobrir que tudo aquilo que continha nele já estava dentro de mim e perceber que arte livre é aquela que você lança para o mundo, sem medo, apenas como sementes de esperança, de amor e de reflexão a respeito da existência. Você colore por onde passa, poetisa a vida onde quer que esteja, floresce onde está plantado. Viver arte é viver exalando no aqui e no agora para todos, por todos os lados, por todas as casas, por todos os caminhos, por todas as estradas.

P.s: Meu querido caderninho estaria sendo cuidado até que um belo dia nos reencontremos em Paraty. No momento, está fazendo a alegria de alguém muito querido, como fez a minha.

Lance as sementes da arte ao vento, assim elas terão mais chances de germinar

Solte a criação por onde passar, assim ela terá possibilidades infinitas para se multiplicar

Dê amor sem esperar nada em troca, o amor já é flor e semente, causa e efeito.

Um comentário:

  1. Hmm, e não é que ela também sabe prosear! rsrs. Multibeijos paraty também!

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